sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

A AMIZADE


(Sociedade espírita de Viena – Áustria - traduzido do alemão)

 Criando as almas, Deus não estabeleceu diferenças entre elas. Que essa igualdade de direitos entre elas sirva de princípio à amizade, que nada mais é senão a unidade nas tendências e nos sentimentos. A verdadeira amizade só existe entre os homens virtuosos, que se reúnem sob a proteção do Todo-Poderoso, para se encorajarem reciprocamente no cumprimento de seus deveres. Todo coração verdadeiramente cristão possui o sentimento da amizade. Ao contrário, essa virtude encontra no egoísmo das almas viciosas a pedra de tropeço que, semelhante à semente caída sobre rocha árida, a torna infecunda para o bem.
Rodeai vossa alma pelo muro protetor de uma prece cheia de fé, a fim de que o inimigo, interno ou externo, aí não possa penetrar.
A prece eleva o Espírito do homem para Deus, o desprende de todas as preocupações terrenas, o transporta para um estado de tranquilidade, de paz, que o mundo não lhe poderia oferecer. Quanto mais confiante e fervorosa for a prece, melhor é escutada e mais agradável é a Deus. Quando, inteiramente penetrada de zelo santo, a alma do homem se lança para os céus na prece íntima e ardente, os inimigos interiores, isto é, as paixões do homem, e os inimigos externos, isto é, os vícios do mundo, são impotentes para forçar os muros que a protegem. Homens, orai a Deus com toda confiança, do fundo do coração, com fé e verdade!

(Revista Espírita, junho de 1863 - Dissertações espíritas - A amizade e a prece)


Confissão de Voltaire

(Revista Espírita, setembro de 1859)


A propósito da entrevista de Voltaire e de Frederico, que publicamos no último número da Revista, um dos nossos correspondentes de Boulogne nos envia a seguinte comunicação, que publicamos com tanto maior satisfação quanto apresenta um aspecto eminentemente instrutivo do ponto de vista espírita. Nosso correspondente fez algumas reflexões prévias, que não queremos omitir.
 “Se existe um homem, mais que qualquer outro, que deve sofrer castigos eternos, esse homem é Voltaire. A cólera e a vingança de Deus persegui-lo-ão para sempre. É o que nos dizem os teólogos da velha escola.
“Que dizem agora os mestres da Teologia moderna? É possível, dizem eles, que desconheçais o homem, não menos que o Deus de que falais. Evitai as paixões inferiores do ódio e da vingança e não maculeis o vosso Deus com isso. Se Deus se inquieta com esse pobre pecador, se toca nesse inseto, será para arrancar-lhe o ferrão, para endireitar-lhe a cabeça exaltada e o coração transviado. Digamos ainda que Deus, que lê nos corações de modo diverso de vós, encontra o bem onde encontrais o mal. Se dotou aquele homem de um grande gênio foi em benefício da raça, e não em seu prejuízo. Que importa, então, as suas primeiras extravagâncias e as suas atitudes de franco atirador entre vós? Uma alma dessa têmpera não poderia proceder de outro modo: a mediocridade era-lhe impossível, fosse no que fosse. Agora que se orientou; que jogou fora as patas e os dentes de potro indomável na sua pastagem terrena; que vem a Deus como um dócil corcel, mas sempre grande, é tão soberbo para o bem quanto era para o mal.
“No artigo que segue veremos de que maneira se operou essa transformação. Veremos nosso garanhão dos desertos, com a crina ondulante, as narinas ao vento, correndo através dos espaços do Universo. É que lá, com o pensamento solto, encontrou essa liberdade que era a sua essência e que sorveu a plenos pulmões, com essa respiração com que se haure a vida!
“E o que lhe aconteceu?
“Perdeu-se e confundiu-se. O grande pregador do nada achou, enfim, o nada, mas não como o compreendia. Humilhado, agastado consigo mesmo, transtornado com a sua pequenez, ele que se julgava tão grande foi aniquilado diante de seu Deus. Ei-lo de rosto no chão, à espera de sua sentença. Essa sentença diz: ‘Levanta-te, meu filho!’, ou ‘Vai-te, miserável!’ O veredicto será encontrado na comunicação que se segue.
“Esta confissão de Voltaire terá mais valor na Revista Espírita, visto que ela no-la mostra em seu duplo aspecto. Vimos que alguns Espíritos naturalistas e materialistas, de cabeça tão virada quanto seu mestre, mas sem o sentimento dele, persistiam em vangloriar-se, no seu cinismo. Que fiquem no seu inferno enquanto lhes aprouver desafiar o céu e menoscabar tudo o que constitui a felicidade do homem, é lógico, pois aí é o seu merecido lugar. Mas também achamos lógico que aqueles que reconhecem os seus erros sejam recompensados. Assim, creio que não nos arvoramos em apologistas do velho Voltaire. Aceitamo-lo apenas no seu novo papel e nos alegramos com a sua conversão, que glorifica Deus e não pode deixar de impressionar vivamente aqueles que ainda hoje se deixam arrastar pelos seus escritos. Lá está o veneno. Aqui está o antídoto.
“Esta comunicação, traduzida do inglês, foi extraída da obra do juiz Edmonds, publicada nos Estados Unidos. Tem a forma de uma conversa entre Voltaire e Wolsey, o célebre cardeal inglês do tempo de Henrique VIII. Dois médiuns atuaram na recepção do diálogo”
 Voltaire â”€ Que imensa revolução ocorreu no pensamento humano desde que deixei a Terra!
 Wolsey â”€ Com efeito, essa infidelidade de que vos censuravam então, cresceu desmesuradamente desde aquela época. Não que ela tenha hoje tantas pretensões, mas é mais profunda e mais universal, e a menos que consigam detê-la, ameaça tragar a Humanidade no materialismo, mais do que o fez durante séculos.
Voltaire â”€ Infidelidade em que e para com a quem? Com referência à lei de Deus e do homem? Pretendes acusar-me de infidelidade porque não me foi possível submeter-me aos acanhados preconceitos das seitas que me cercavam? É que a minha alma buscava maior amplidão de pensamento e um raio de luz que fosse além das doutrinas humanas. Sim, minha alma entenebrecida tinha sede de luz.
 Wolsey â”€ Eu também só queria falar da infidelidade que vos era atribuída, mas, infelizmente, não sabeis quanto essa imputação ainda vos pesa. Eu não vos quero censurar, mas apenas manifestar-vos o meu pesar, porque o vosso desprezo pelas doutrinas em voga, que eram apenas materiais e inventadas pelos homens, não poderia prejudicar um Espírito da envergadura do vosso. Mas essa mesma causa que agia sobre o vosso Espírito, operava igualmente sobre outros, demasiado fracos e pequenos para chegarem aos mesmos resultados que vós. Eis, pois, como aquilo que em vós era apenas uma negação dos dogmas dos homens se traduzia nos outros pela negação de Deus. Dessa fonte é que se espalhou com rapidez terrível a dúvida sobre o futuro do homem. Eis também por que o homem, limitando a este mundo todas as suas aspirações, caiu cada vez mais no egoísmo e no ódio ao próximo. É a causa, sim, a causa desse estado de coisas que deve ser procurada, pois uma vez encontrada, o remédio será relativamente fácil. Dizei-me: conheceis essa causa?
 Voltaire â”€ Na verdade, havia nas minhas opiniões, tais como foram dadas ao mundo, um sentimento de amargura e de sátira. Mas notai que então eu tinha o Espírito dilacerado, por assim dizer, por uma luta interior. Eu olhava a Humanidade como se me fosse inferior em inteligência e em perspicácia. Via apenas marionetes que podiam ser conduzidas por qualquer homem dotado de vontade forte e me indignava ao ver que esta Humanidade, arrogando-se uma existência imortal, era modelada com elementos ignóbeis. Seria possível crer que um ser dessa espécie fizesse parte da Divindade e que pudesse com suas mesquinhas mãos assenhorear-se da imortalidade? Essa lacuna entre duas existências tão desproporcionadas me chocava e eu não podia preenchê-la. No homem eu via apenas o animal e não o Deus.
Reconheço que em alguns casos minhas opiniões tiveram influência nefasta. Tenho, porém, a convicção de que, sob outros aspectos, tiveram seu lado bom. Elas puderam levantar várias almas que se haviam degradado na escravidão. Quebraram as cadeias do pensamento e deram asas a grandes aspirações. Mas, ah! Eu também, que planava tão alto, perdi-me como os outros.
Se em mim a parte espiritual se houvesse desenvolvido tão bem quanto a material, eu teria podido raciocinar com mais discernimento. Confundindo-as, perdi de vista essa imortalidade da alma, que tanto procurava e desejava encontrar. Assim, tão empolgado me achava nessa luta com o mundo, que cheguei, quase contra minha vontade, a negar a existência de um futuro. A oposição que fazia às tolas opiniões, à cega credulidade dos homens, impelia-me a negar e ao mesmo tempo a contradizer todo o bem que a religião cristã poderia fazer. Contudo, por mais descrente que fosse, sentia que era superior aos meus adversários; sim, muito além do alcance da sua inteligência. A bela face da Natureza revelava-me o Universo, inspirava-me o sentimento de uma vaga veneração, misturada ao desejo de uma liberdade sem limites, sentimento que eles jamais experimentavam, agachados que estavam nas trevas da escravidão.
Minhas obras tiveram, pois, seu lado bom, porque sem elas o mal que teria atingido a Humanidade, por falta de qualquer oposição, teria sido pior. Muitos homens não aceitavam mais a servidão; entre eles, muitos se libertaram. Se aquilo que eu pregava lhes deu um único pensamento elevado, ou lhes fez dar um único passo no caminho da Ciência, não era isto abrir-lhes os olhos para a sua verdadeira condição? O que eu lamento é ter vivido tanto tempo na Terra sem saber o que teria podido ser e o que teria podido fazer. O que não teria feito se tivesse sido abençoado por essas luzes do Espiritismo, que se derramam hoje sobre os Espíritos dos homens!
Descrente e vacilante, entrei no mundo espírita. Minha presença, por si só, bastava para espantar qualquer clarão que tivesse podido iluminar a minha alma obscurecida; era a parte material de meu ser que se havia desenvolvido na Terra. Quanto à parte espiritual, esta se havia perdido em meio aos meus transviamentos, na busca da luz; encontrava-se como que encerrada numa prisão de ferro. Altivo e zombeteiro, ali me iniciava, nem conhecendo, nem procurando conhecer esse futuro que tanto havia combatido quando no corpo. Mas anotemos aqui esta confissão: houve sempre em minha alma uma débil voz que se fazia ouvir através dos grilhões materiais e que pedia luz. Era uma luta incessante entre o desejo de saber e uma obstinação em não saber. Assim, pois, minha entrada estava longe de ser agradável. Não acabava eu de descobrir a falsidade e o nada das opiniões que havia sustentado com todas as forças de minhas faculdades? Depois de tudo, o homem se reconhecia imortal e eu não podia deixar de ver que, igualmente, deveria existir um Deus, um Espírito imortal que estava à frente e que governava esse espaço ilimitado que me circundava.
Como viajava incessantemente, sem me conceder nenhum repouso, a fim de me convencer de que este mundo onde eu me encontrava bem que poderia ainda ser um mundo material, minha alma lutou contra a verdade que me esmagava! Eu não pude me realizar como um Espírito que acabara de deixar a sua morada mortal! Não houve ninguém com quem pudesse estabelecer relações, porque eu tinha recusado a todos a imortalidade. Não havia repouso para mim. Eu estava sempre andando a esmo e duvidando. Em mim o Espírito, tenebroso e amargo, era como um maníaco, incapaz de seguir uma orientação ou de se deter.
Foi assim, zombeteiro e desafiador, como já disse, que abordei o mundo espírita. A princípio fui levado para longe das habitações dos Espíritos, e percorri o espaço imenso. A seguir foi-me permitido lançar o olhar sobre as construções maravilhosas habitadas pelos Espíritos e, com efeito, elas me pareceram surpreendentes. Fui arrastado de um lado para o outro por uma força irresistível. Era obrigado a ver, e ver até que a minha alma ficasse deslumbrada pelos esplendores e esmagada ante o poder que controlava tais maravilhas. Por fim, tive ímpetos de esconder-me e de alojar-me nas cavidades das rochas, mas não o consegui.
Foi então que o meu coração começou a sentir a necessidade de expandir-se. Tornava-se urgente uma companhia qualquer, porque eu me sentia queimar pelo desejo de confessar o quanto tinha sido induzido em erro, não pelos outros, mas por meus próprios sonhos. Não me restava mais nenhuma ilusão sobre a minha importância pessoal, porque sentia imensamente a minha pequenez neste grande mundo dos Espíritos. Eu tinha, enfim, caído de tal modo no cansaço e na humilhação, que me foi permitido reunir-me a alguns habitantes. Foi a partir desse momento que pude avaliar a posição em que me havia colocado na Terra e a que disso resultara para mim no mundo espírita. Imaginai se esta apreciação podia ser risonha.
Uma revolução completa, uma transformação de ponta a ponta ocorreu no meu organismo espírita e, de mestre que eu era, tornei-me o mais ardente dos discípulos. Com a expansão intelectual que em mim encontrava, que progresso eu pude fazer! Minha alma se sentia iluminada e abrasada pelo amor divino. Suas aspirações à imortalidade, de constrangidas que eram, tomaram gigantesca expansão. Eu via quão grandes tinham sido os meus erros e quão maior devia ser a reparação para expiar tudo quanto tinha feito ou dito e que tivesse podido seduzir ou enganar a Humanidade. Como são magníficas essas lições da sabedoria e da beleza celeste! Ultrapassam tudo quanto na Terra teria podido imaginar.
Em resumo, vivi bastante para reconhecer na minha exis­tência terrena uma guerra encarniçada entre o mundo e a minha natureza espiritual. Lamentei profundamente as opiniões que expendi e que desviaram muita gente; mas, ao mesmo tempo, é penetrado de gratidão ao Criador, o infinitamente sábio, que sinto ter sido um instrumento para auxiliar os Espíritos dos homens a voltar-se para o exame e o progresso.

OBSERVAÇÃO: Nenhum comentário adicionaremos a esta comunicação, cuja profundeza e cujo alcance todos apreciarão, e na qual se encontra toda a superioridade do gênio. É possível que jamais tenha sido dado um quadro tão grandioso e impressionante do mundo espírita e da influência das ideias terrenas sobre as ideias de além-túmulo. Na conversa que publicamos em nosso número anterior encontra-se o mesmo lastro de ideias, embora menos desenvolvidas e expressas menos poeticamente. Aqueles que apenas apreciam a forma talvez digam que não reconhecem essas duas comunicações como sendo do mesmo Espírito, e que sobretudo a última não lhes parece à altura de Voltaire. Disso concluirão que uma delas não é dele.
Certamente, quando o chamamos, ele não nos trouxe o seu registro civil, mas quem quer que veja além da superfície ficará tocado pela identidade de pontos de vista e de princípios existentes entre essas duas comunicações, obtidas em épocas diversas, a uma enorme distância e em línguas diferentes. Se o estilo não é o mesmo, não há contradição de pensamento, e isto é o essencial. Mas se foi o mesmo Espírito que falou nas duas comunicações, por que é tão explícito e poético em uma delas, quanto lacônico e vulgar na outra? É preciso não ter estudado os fenômenos espíritas para não o compreender. O fato se deve à mesma causa que leva um Espírito a dar encantadoras poesias por um médium e não poder ditar um único verso por outro. Conhecemos médiuns que absolutamente não fazem versos, mas recebem poesias admiráveis, assim como há outros que jamais aprenderam desenho e que no entanto desenham coisas maravilhosas. É necessário, pois, reconhecer que, abstração feita das qualidades intelectuais, há nos médiuns aptidões especiais que os tornam, para certos Espíritos, instrumentos mais ou menos flexíveis e mais ou menos cômodos. Para certos Espíritos, dissemos, porque eles também têm suas preferências, fundadas em razões que nem sempre conhecemos. Assim, o mesmo Espírito será mais ou menos explícito, segundo o médium que lhe serve de intérprete e, sobretudo, segundo o hábito que tenha de utilizá-lo. Além disso, é certo que um Espírito que se comunica frequentemente pela mesma pessoa o faz com mais facilidade que outro que venha pela primeira vez. A emissão do pensamento pode, pois, ser entravada por várias causas; mas, quando é o mesmo Espírito, o fundo do pensamento é o mesmo, embora a forma seja diferente, e o observador atento poderá reconhecê-lo com facilidade por certos traços característicos.
A propósito, relataremos o fato seguinte:
O Espírito de um soberano, que representou no mundo um papel preponderante, foi chamado a uma de nossas reuniões. Começou por um ato de cólera, rasgando o papel e quebrando o lápis. Sua linguagem estava longe de ser benevolente, porque sentia-se humilhado por estar entre nós. Ele perguntou se julgávamos que ele deveria rebaixar-se a ponto de responder às nossas perguntas. Contudo concordava que, se o fazia, era como que fosse constrangido e obrigado por uma força superior à sua; mas que, se isto dele dependesse, não o faria.
Um dos nossos correspondentes na África, que não tinha nenhum conhecimento do fato, escreveu-nos que, numa reunião em que tomara parte, quiseram evocar o mesmo Espírito. Em todos os pontos sua linguagem foi idêntica. Disse ele: “Credes que eu viria voluntàriamente a esta casa de negociantes, que talvez um dos meus criados não quisesse habitar? Não vos respondo. Isto me lembra o meu reino, onde era feliz e tinha autoridade sobre todo o meu povo. Agora devo submeter-me.” O Espírito de uma rainha, que em vida não se distinguira pela bondade, assim respondeu no mesmo grupo: “Não me interrogueis mais, pois me aborreceis. Se ainda tivesse o poder que tinha na Terra, eu vos faria arrepender-se muito, mas agora que nada posso sobre vós, zombais de mim e da minha miséria. Sou muito infeliz !“
Não temos aqui um curioso estudo dos costumes espíritas?

Espiritismo e Adultério



O Espiritismo, tomando por base a questão 701 do Livro dos Espíritos, afirma que o casamento deve se fundar na afeição dos dois seres que se unem. Mas não podemos ignorar que o adultério é prática comum, tolerada pela sociedade.
Você já parou para pensar a respeito do poder que há no sexo? O sexo sempre esteve por trás das grandes conquistas e das grandes tragédias da História. Talvez um dos desequilíbrios mais comuns na trajetória do espírito imortal seja justamente o sexo. Se você se alimenta pouco, enfraquece; se come demais, adquire doenças. Se você dorme pouco, não recupera totalmente as energias; se dorme muito, perde o dinamismo. Com o sexo ocorre o mesmo. É preciso equilíbrio.
O desejo sexual represado representa um grande perigo, pois poucas pessoas são elevadas a ponto de canalizar a energia sexual para o processo criativo. O represamento do desejo sexual pode levar ao descontrole e é causa de muitos crimes. Pessoas sexualmente equilibradas convivem melhor em sociedade e são mais felizes.
Nosso senso moral e nossa cultura cristã nos legaram a monogamia como relação ideal mais propensa a incentivar o amor. Mas não podemos ignorar que o adultério é prática comum, tolerada pela sociedade. Você tem ideia das consequências espirituais do adultério? A relação sexual é o momento de maior intimidade e troca de energias que se pode experimentar na Terra. Isso não fica restrito ao plano físico, mas também ao plano astral.
Ao nos unirmos sexualmente com alguém, formamos ligações com as companhias espirituais da outra pessoa. Você sabe que nunca estamos sozinhos, estamos sempre acompanhados de espíritos que se afinam conosco, com os nossos gostos, com nossas atividades, pensamentos, atitudes, emoções. Numa relação adúltera é inevitável que sejam atraídos por nós espíritos que se afinam com este tipo de ato clandestino, furtivo, baixo. Em situações assim reatamos antigas ligações espirituais conflituosas ou encetamos novos comprometimentos.
O mesmo ocorre com o sexo pago. Você acha que quem recorre à prostituição pratica o ato sozinho? Na verdade quem costuma comandar a situação são os espíritos desencarnados viciados em sexo. Os lugares ligados à prostituição são habitados por inúmeros espíritos nessas condições, que vivem da energia dos encarnados que os frequentam. São verdadeiras parcerias que se formam entre os dois planos. Os dois lados em busca do prazer desenfreado oferecido pelo sexo.
Há muitos que não consumam a traição. Não se atrevem a levar o adultério às últimas consequências. Mas o fazem em pensamento. Jesus falou sobre isso, ao dizer que desejar a mulher do próximo em pensamento já é cometer adultério. Nada ativa tão bem a imaginação como o desejo sexual. O poder mental é capaz de atrair espiritualmente a pessoa desejada se for fortemente imaginada. Se houver reciprocidade de intenções, pode haver uma espécie de vida paralela em que os adúlteros em pensamento passam a encontrar-se no astral para saciar seus desejos. De qualquer maneira, sendo ou não sendo correspondido o desejo, outros espíritos sedentos por sensações prazerosas do sexo são atraídos. Qualquer pessoa que tenha seu pensamento dominado pela ideia do sexo atrai para si companhias espirituais das quais se torna muito difícil de se livrar.
Durante o período de sono físico, nada atrai tanto o espírito encarnado quanto o sexo. Muitos são habituados a se relacionar com desencarnados ou com outros encarnados desdobrados pelo sono. Às vezes são pessoas de conduta exemplar, que racionalmente não procurariam essa situação. Mas, parcialmente livres do corpo físico durante o sono, se deixam dominar pelo subconsciente. No subconsciente está armazenada a bagagem de todas as vidas anteriores do espírito imortal; é a soma de tudo o que ele é.
Quem vive essas experiências geralmente não tem vida sexual satisfatória; vive sem esperança amorosa. Geralmente essas pessoas roubam a energia das pessoas próximas; familiares, amigos, colegas. A energia que retiram de seus próximos é gasta em seus encontros no astral.
O sexo é energia sagrada, é criação de Deus que nos concedeu o poder de criar, pois somos Sua imagem e semelhança. O sexo equilibrado é manifestação de amor, e eleva o espírito a Deus. Mas o sexo em desequilíbrio pode ser motivo de queda e destruição. Deus não nos castiga, não há crime ou pecado. Há desgaste espiritual, há desperdício de forças criadoras, há desrespeito com o amor. E tudo isso tem um preço.
(Artigo publicado originalmente em 26/09/2012)


sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

Os vícios à luz da Doutrina Espírita


(matéria publicada na Folha Espírita em novembro de 2007)

Os vícios são, sem dúvida alguma, a maior chaga moral da humanidade, nos tempos atuais. Segundo o neurocientista Stefen Clein, em seu livro A Fórmula da Felicidade, quando enveredamos na obtenção dos prazeres grosseiros, a área cerebral estimulada é exatamente a mesma, com larga produção de serotonina e dopamina, que nos dão uma sensação transitória de prazer. A má notícia é que, imediatamente após, os hormônios contrarreguladores são liberados, dando-nos uma sensação de mal-estar e indisposição.
Quando ingerimos bebidas alcoólicas, buscamos a sexolatria sem afetividade, comemos doces exageradamente ou nos drogamos, estamos, portanto, estimulando a mesma área do sistema límbico, numa busca desenfreada por serotonina em nosso organismo. O problema é que, após a bebida, vem a ressaca; após os lautos banquetes, a indigestão e a sonolência; após o sexo sem amor, a melancolia e o desinteresse. No longo prazo, destruímos prematuramente o nosso templo físico, pois, como diz Paulo de Tarso, “o salário do pecado (vício) é a morte” (Romanos 6:23).
Esta é a diferença básica entre os prazeres materiais e espirituais: os primeiros são transitórios e imediatamente sucedidos pela dor, levando-nos lentamente à desencarnação prematura; os segundos, embora mais sutis, têm maior durabilidade e nenhuma dor, pois tudo o que se refere ao espírito se eterniza e vivifica por si, pela vinculação intrínseca à Fonte de Tudo.
Esses prazeres espirituais a que me refiro são o bem que fazemos aos outros e a nós mesmos, através da caridade, da oração e da meditação.
Quando fazemos, por exemplo, uma campanha do quilo ou visitamos um hospital ou abrigo de idosos, sentimos uma agradável sensação que, muitas vezes, persiste a semana inteira.
Uma forma simples, portanto, de vencermos as tendências inferiores é substituirmos os prazeres materiais pelos espirituais. Substituirmos os pensamentos negativos por positivos. Na pergunta 917 de O Livro dos Espíritos, Fénelon nos orienta que a predominância da vida moral sobre a vida material é um poderoso instrumento para enfraquecermos o nosso egoísmo, causa de todos os vícios (p. 913).Ocuparmos o nosso tempo com leituras edificantes, palestras esclarecedoras e tarefas evangélicas é instrumento valioso para bem empregarmos a nossa libido e direcionarmos nossos pensamentos, preenchendo com sabedoria os horários vagos.
No primeiro mandamento “Ama a Deus sobre todas as coisas”, Jesus nos orienta, com exatidão, sobre como nos libertarmos da escravidão material. Como tudo, no universo, está impregnado da Divina Presença, segundo nos esclarece o mestre de Lyon no capítulo II da gênese kardequiana (a Providência Divina) ao nos apegarmos a algo material, estamos substituindo o Todo pela parte e isso nos causa dor e dependência. Quando direcionamos nossas mentes para a Fonte, fazemos o processo contrário e, portanto, plenificamos o nosso vazio psicológico pela consciência de plenitude, a solidão pelo Amor Maior, a parte pelo todo, o sofrimento pela felicidade da percepção do contato íntimo com o Cristo, numa forma de prazer infinitamente maior e mais duradoura.
“Amar a Deus sobre todas as coisas” significa, portanto,substituirmos prazeres menores, materiais, grosseiros e efêmeros por um prazer incomensuravelmente maior, mais suave e eterno. Quando seguimos o primeiro mandamento, portanto, colocamos o que é espiritual acima do material e isso nos põe em contato com a nossa verdadeira essência, nos reposicionando nos trilhos da nossa missão na Terra e nos felicitando com a paz espiritual dos justos.
Vale salientar que existe um forte sinergismo entre o “Amar a Deus”, “Amar ao próximo” e “Amar a si”, pois esses mandamentos áureos se retroalimentam:
1. Não poderemos amar ao nosso próximo, sem amarmos a nós mesmos, se estamos nos desvalorizando e autodestruindo fisicamente através dos vícios.
2. Amar a Deus é amar a si da melhor forma possível, pois percebemos que o nosso Si não é o corpo físico, mas o espírito imortal que, por sua vez, já está mergulhado na Consciência Maior que o eterniza e ilumina.
3. Amar a Deus é amar a si, porque a qualidade de nossa vida melhora infinitamente quando submetemos a nossa pequena vontade pessoal à Vontade maior. Quando nos libertamos dos vícios, encontramos o Cristo que habita nossos corações e nos permitimos ouvir sua voz, que nos guia invariavelmente à felicidade própria e a das pessoas que amamos.
4. Quando nos autodestruimos estamos desrespeitando o amor ao próximo, porque prejudicamos justamente as pessoas que mais amamos. Nossa esposa, filhos, pais e amigos são os mais afetados, se os trocarmos pela viciação, que antecipará a nossa morte física. Essa é outra forma extremamente eficaz de evitarmos o primeiro gole, a primeira mordida compulsiva ou uma relação extraconjugal: colocarmos na tela mental a figura da nossa esposa e filhos e perceber o quanto lhe causaremos dor com nossa atitude!
O maior dos vícios, segundo a pergunta 913 de O Livro dos Espíritos, é o egoísmo e a maior virtude é o desinteresse pessoal (pergunta 893).
Portanto, a chave da felicidade e da liberdade é submetermos nossa pequena vontade à Vontade Maior, que, num nível mais profundo, também é a nossa e, entrando em contato com o amor que emana dos nossos corações, exteriorizar o Cristo, o Sublime Amor, que nos vivifica e que teve sua maior expressão no meigo rabi da Galiléia.
O amor, portanto, substituirá todas as nossas necessidades, enchendo de alegria todos os instantes da nossa vida, conduzindo-nos rumo ao futuro radiante que a todos nos aguarda.

Fernando Antônio Neves


Fernando Antônio Neves é médico, com formação em Psicologia Transpessoal, e conferencista espírita em Recife (PE)

sexta-feira, 1 de maio de 2015

Criminosos arrependidos - Benoist



(O Céu e o Inferno - Segunda Parte - Exemplos, cap. VI - Criminosos arrependidos)

(Bordeaux, março de 1862.)

Um Espírito apresenta-se espontaneamente ao médium, sob o nome de Benoist, diz ter morrido em 1704 e suportar horríveis sofrimentos.

1. O que éreis durante a vida? – R. Monge sem fé.
2. A falta de crença é vossa única falta? – R. Basta para acarretar as outras.
3. Podeis dar-nos alguns detalhes sobre a vossa vida? A sinceridade de vossas confissões vos será tida em conta. – R. Sem fortuna e preguiçoso, ordenei-me, não por vocação, mas para ter uma posição. Inteligente, consegui obter um lugar; influente, abusei do poder; vicioso, arrastei para a dissipação aqueles que tinha por missão salvar; duro, persegui aqueles que pareciam condenar meus excessos; os in pace foram preenchidos pelos meus cuidados. A fome torturou muitas vítimas; seus gritos se extinguiram muitas vezes sob a violência. Desde então, expio e sofro todas as torturas do inferno; minhas vítimas atiçam o fogo que me devora. A luxúria e a fome insaciadas me perseguem; a sede irrita meus lábios ardentes sem jamais deixar cair aí uma gota refrescante; todos os elementos se encarniçam contra mim. Orai por mim.
4. As preces que se fazem pelos finados devem ser-vos atribuídas como aos outros? – R. Credes que elas sejam muito edificantes? Elas têm para mim o valor daquelas que eu parecia fazer. Não cumpri minha tarefa, dela não encontro o salário.
5. Nunca vos arrependestes? – R. Há muito tempo; mas ele só veio depois do sofrimento. Como fui surdo aos gritos de vítimas inocentes, o Senhor é surdo aos meus gritos. Justiça!
6. Vós reconheceis a justiça do Senhor; confiai-vos à sua bondade e chamai-o em vosso auxílio. – R. Os demônios urram mais alto do que eu; os gritos asfixiam na minha garganta; enchem minha boca de piche fervendo!... Eu o fiz, grande... (O Espírito não pode escrever a palavra Deus.)
7. Não estais já suficientemente separado das ideias terrestres para compreender que as torturas que suportais são todas morais? – R. Eu as suporto, sinto-as, vejo meus carrascos; eles têm todos uma aparência conhecida; têm todos um nome que ressoa no meu cérebro.
8. O que podia vos impelir a todas essas infâmias? – R. Os vícios de que estava imbuído; a brutalidade das paixões.
9. Nunca implorastes a assistência dos bons Espíritos para vos ajudar a sair dessa posição? – R. Não vejo senão os demônios do inferno.
10. Tínheis medo deles enquanto vivo? – R. Não, nada; o nada era minha fé; os prazeres a todo preço eram meu culto. Divindades do inferno não me abandonaram; consagrei-lhes a minha vida, elas não me deixarão mais!
11. Não entrevedes um fim para vossos sofrimentos? – R. O infinito não tem fim.
12. Deus é infinito na sua misericórdia; tudo pode ter um fim quando ele o quer. – R. Se ele pudesse querer!
13. Por que viestes vos inscrever aqui? – R. Não sei como; mas quis falar, como gostaria de gritar para me aliviar.
14. Vossos demônios não vos impedem de escrever? – R. Não, mas estão à minha frente, ouvem-me; é por isso que não gostaria de acabar.
15. É a primeira vez que escreveis assim? – R. Sim. – P. Sabíeis que os Espíritos podiam se aproximar assim dos homens? – R. Não. – P. Então como pudestes compreendê-lo? – R. Não sei.
16. O que sentistes para vir perto de mim? – R. Um amortecimento nos meus terrores.
17. Como vos apercebestes que estáveis aqui? – R. Como quando acordamos.
18. Como fizestes para vos pordes em contato comigo? – R. Não compreendo; tu não sentiste?
19. Não se trata de mim, mas de vós; tentai dar-vos conta do que fazeis neste momento enquanto escrevo. – R. Tu és meu pensamento, eis tudo.
20. Não tivestes então a vontade de me fazer escrever? – R. Não, sou eu que escrevo, tu pensas por mim.
21. Tentai vos dar conta; os bons Espíritos que nos cercam vos ajudarão. – R. Não, os anjos não vêm ao inferno. Não estás sozinha? – P. Vede à vossa volta. – R. Sinto que me ajudam a pensar em ti... tua mão me obedece... não te toco, e tenho-te... não compreendo.
22. Pedi a assistência de vossos protetores; vamos orar juntos. – R. Queres deixar-me? Fica comigo; eles vão retomar-me. Peço-te, fica! Fica!
23. Não posso ficar mais tempo. Voltai todos os dias; oraremos juntos e os bons Espíritos vos ajudarão. – R. Sim, eu quero minha graça. Pedi por mim; eu não posso.
O guia do médium. Coragem, minha filha; ser-lhe-á concedido o que tu pedes, mas a expiação está longe de terminar. As atrocidades que ele cometeu são sem nome e sem número, e é tanto mais culpado quanto tinha a inteligência, a instrução e o esclarecimento para se guiar. Falhou, portanto, com conhecimento de causa; assim, seus sofrimentos são terríveis; mas com o auxílio e o exemplo da prece eles se abrandarão, porque ele verá o fim possível, e a esperança o apoiará. Deus o vê no caminho do arrependimento, e fez-lhe a graça de poder se comunicar a fim de que seja encorajado e apoiado. Pensa então frequentemente nele; deixamos-te para fortalecê-lo nas boas resoluções que ele poderá tomar, ajudado pelos teus conselhos. O arrependimento será seguido pelo desejo de reparação; é então que ele mesmo pedirá uma nova existência na terra para praticar o bem em vez do mal que fez, e quando Deus estiver satisfeito com ele, e o vir bem fortalecido, far-lhe-á entrever as divinas claridades que o levarão ao porto de salvação, e recebê-lo-á em seu seio como o filho pródigo. Confia, ajudar-te-emos a realizar tua obra.
 PAULINO.
Colocamos este Espírito entre os criminosos, embora ele não tenha sido atingido pela justiça humana, porque o crime consiste nos atos, e não no castigo infligido pelos homens. Ocorre o mesmo com o próximo

quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

REENCARNAÇÃO- MEMÓRIAS DE OUTRAS VIDAS



Em uma das mais prestigiosas universidades públicas dos Estados Unidos, a Universidade de Virgínia, pesquisadores da área de saúde mental dedicam-se há décadas a desafiar os céticos. Ali são estudados, entre outros casos que ultrapassam os contornos da ciência convencional, relatos sobre reencarnação, muitos deles submetidos à checagem. Resultados conclusivos não há, mas eles são, no mínimo, intrigantes. À frente da Divisão de Estudos da Personalidade está o mais famoso pesquisador sobre o assunto, o já octogenário Ian Stevenson. Seus livros e textos em publicações científicas descrevem casos de crianças que se recordariam de vidas passadas e de pessoas com marcas de nascença que teriam sido originadas por cicatrizes de existências anteriores.
Stevenson e sua equipe avaliam casos de reencarnação da forma que consideram a mais acurada possível. Fazem entrevistas, confrontam a versão narrada com documentações, comparam descrições com fatos que só familiares da pessoa morta poderiam saber. Por tudo isso, ele se tornou um dos maiores responsáveis por ajudar a deslocar – ainda que apenas um pouco – o conceito de reencarnação do campo da fé e do misticismo para o campo da ciência.
Mas o que leva esse renomado médico, com mais de 60 anos de carreira, e tantos outros pesquisadores a encararem a reencarnação como uma hipótese válida?

Bem, são histórias como, por exemplo, a de Swarnlata Mishra, uma menina nascida em 1948 de uma rica família da Índia e que se tornou protagonista de um dos casos clássicos – digamos assim – da literatura médica sobre vidas passadas. A história é descrita em um dos livros de Stevenson, Twenty Cases Suggestive of Reincarnation (“Vinte Casos Sugestivos de Reencarnação”, sem versão brasileira), e se assemelha a outros registrados pelo mundo sobre lembranças reveladoras ocorridas, principalmente, na infância. Mas, ao contrário da maioria, não está relacionado a mortes violentas, confrontos ou traumas.
A história de Swarnlata é simples. Aos 3 anos de idade, viajava com seu pai quando, de repente, apontou uma estrada que levava à cidade de Katni e pediu ao motorista que seguisse por ela até onde estava o que chamou de “minha casa”. Lá, disse, poderiam tomar uma xícara de chá. Katni está localizada a mais de 160 quilômetros da cidade da menina, Pradesh. Logo em seguida, Swarnlata começou a descrever uma série de detalhes sobre sua suposta vida em Katni. Disse que lá seu nome fora Biya Pathak e que tivera dois filhos. Deu detalhes da casa e a localizou no distrito de Zhurkutia. O pai da menina passou a anotar as “memórias” da filha.
Recordações de mãe
Sete anos depois, em 1959, ao ouvir esses relatos, um pesquisador de fenômenos paranormais, o indiano Sri H. N. Banerjee, visitou Katni. Pegou as anotações do pai de Swarnlata e as usou como guia para entrevistar a família Pathak. Tudo o que a menina havia falado sobre Biya (morta em 1939) batia. Até então, nenhuma das duas famílias havia ouvido falar uma da outra.
Naquele mesmo ano, o viúvo de Biya, um de seus filhos e seu irmão mais velho viajaram para a cidade de Chhatarpur, onde Swarnlata morava. Chegaram sem avisar. E, sem revelar suas identidades ou intenções aos moradores da cidade, pediram que nove deles os acompanhassem à casa dos Mishra. Stevenson relata que, imediatamente, a menina reconheceu e pronunciou os nomes dos três visitantes. Ao “irmão”, chamou pelo apelido.
Semanas depois, seu pai a levou para Katni para a casa onde ela dizia ter vivido e morrido. Swarnlata, conta Stevenson, tratou pelo nome cada um dos presentes, parentes e amigos da família. Lembrou-se de episódios domésticos e tratou os filhos de Biya (então na faixa dos 30 anos) com a intimidade de mãe. Swarnlata tinha apenas 11 anos.
As duas famílias se aproximaram e passaram a trocar visitas – aceitando o caso como reencarnação. O próprio Stevenson testemunhou um desses encontros, em 1961. Ao contrário de muitos casos de memórias relatadas como de vidas passadas, as da menina continuaram acompanhando-a na fase adulta – quando Swarnlata já estava casada e formada em Botânica.
Assim como esse, há milhares de outros episódios intrigantes, alguns mais e outros menos verificáveis. Somente na Universidade da Virgínia há registros de mais de 2500 casos desse gênero. Acontece que, para a ciência, a ocorrência de casos isolados, ainda que numerosos, não prova nada. Os céticos atribuem essas histórias a fraudes, coincidências ou auto-induções às vezes bem intencionadas.
Mas, embora a ciência duvide da reencarnação, a humanidade convive com a crença nela faz tempo. De acordo com algumas versões, o conceito de reencarnação chegou ao Ocidente pelas mãos do matemático grego Pitágoras. Durante uma viagem que fizera ao Egito, ele teria ouvido diversas histórias e assistido a cerimônias em que espíritos afirmavam que vinham mais de uma vez à Terra, em corpos humanos ou de animais. O mesmo conceito – com variações aqui e ali – marcou religiões orientais, como o bramanismo e o hinduísmo (e, mais tarde, o budismo), e também religiões africanas e de povos indígenas, segundo Fernando Altmeier, professor de Teologia da PUC de São Paulo. Na verdade, “a reencarnação nasce quase ao mesmo tempo que a idéia religiosa tanto no Ocidente quanto no Oriente, com os egípcios, os gregos, os africanos e os indígenas”, diz Altmeier. A idéia, porém, não deixou traços – pelo menos não com a mesma força – nas três religiões surgidas de Abraão: o judaísmo, o cristianismo e o islamismo.
No século 19, o francês Hippolyte Leon Denizard Rivail – ou Allan Kardec – e outros estudiosos dedicaram-se a um tema então em voga na Europa: os fenômenos das mesas giratórias, em que os sensitivos alegavam que espíritos se manifestavam com o mundo dos vivos. Kardec escreveu uma série de livros sobre as experiências mediúnicas que observou e, tendo como base a idéia da reencarnação, fundou a doutrina espírita. Para os espíritas, reencarnação é um ponto pacífico. Mas muitos deles preferem dar crédito a relatos embasados no cientificismo. “Dirijo a área de assistência espiritual na Federação Espírita do Estado de São Paulo, por onde passam 200 mil pessoas por mês, mas, no que diz respeito à fenomenologia, sou mais pé no chão, sou muito rigoroso”, afirma o advogado Wlademir Lisso, de 58 anos.
Terapias e evidências
Nas aulas que dá na federação sobre espiritismo e ciência, Lisso – que é autor de três livros – se baseia, sobretudo, nas pesquisas feitas por universidades estrangeiras, que considera mais confiáveis. Lisso diz que já perdeu as contas das vezes que ouviu pessoas lhe dizendo que tinham lembranças de outras vidas, algumas, talvez, por meio das chamadas terapias de vidas passadas. “Terapias, por si só, não provam nada”, diz Lisso, referindo-se a uma prática que supostamente leva a pessoa a escarafunchar memórias tão remotas quanto as de duas, três encarnações anteriores. Os espíritas não recomendam a experiência. “Até os anos 50, flashes ou outras manifestações eram considerados distúrbios mentais”, diz Lisso. Com o tempo, ganhou eco a explicação de que muitos desses sintomas poderiam ser evidências de existências passadas.
No Brasil, um dos poucos que seguiram a linha da investigação mais científica foi Hernani Guimarães Andrade, que morreu há quase dois anos. Autor de diversos livros, entre eles Reencarnações no Brasil (O Clarim, sem data), Andrade conta o caso de uma menina paulistana, identificada apenas como Simone. Nos anos 60, quando tinha então pouco mais de 1 ano, ela começou a pronunciar palavras em italiano, sem que ninguém a tivesse ensinado. Passou também a relatar lembranças que remontavam à Segunda Guerra Mundial. Seu relato era tão vívido que familiares se renderam à idéia de que fragmentos de uma encarnação passada ainda pairavam em sua mente. A avó da menina registrou, em um diário, mais de 30 palavras em italiano pronunciadas pela neta e histórias de explosões, médicos, ferimentos e morte. As recordações pararam de jorrar quando a menina tinha por volta de 3 anos.
Mas as supostas memórias de crianças como Simone e Swarnlata não são os únicos sinais que chamam a atenção dos estudiosos. Em várias universidades ao redor do mundo, os pesquisadores passaram a examinar também marcas de nascença – associadas a lembranças – como possíveis evidências de reencarnação. O mesmo Stevenson reuniu um punhado desses casos num estudo divulgado em 1992. Segundo o levantamento feito com 210 crianças que alegavam ter lembranças de outras vidas, cerca de 35% apresentavam marcas de nascimento na pele. Em 49 casos, foi possível obter um documento médico, geralmente um laudo de necropsia, das pessoas que as crianças haviam supostamente sido em outra encarnação. A correspondência entre o ferimento que causara a morte e a marca de nascença foi considerada, no mínimo, satisfatória em 43 casos (88%), segundo Stevenson.
Um exemplo citado por ele é o de uma criança da antiga Birmânia que dizia se lembrar da vida de uma tia que morrera durante uma cirurgia para corrigir um problema cardíaco congênito. Essa menina tinha uma longa linha vertical hipopigmentada no alto do abdome. A marca correspondia à incisão cirúrgica da tia. Stevenson recorre a uma frase do escritor francês Stendhal para se referir a casos de memórias e de marcas que, às vezes, podem passar despercebidos: “Originalidade e verdade são encontradas somente nos detalhes”.

Tinta fresca

Para pesquisador, há fortes indícios de que muitas crianças conseguem se lembrar de suas vidas anteriores
O professor Jim B. Tucker, da Divisão de Estudos da Personalidade do Departamento de Psiquiatria da Universidade da Virgínia, nos Estados Unidos, estuda e atende casos de depressão e outros distúrbios em crianças e adolescentes. Tem especial interesse por casos de crianças que alegam ter lembranças de vidas passadas. Nesta entrevista, concedida por e-mail à SUPER, Tucker fala das características mais freqüentes desses relatos e de fatos que mais o impressionaram.
Quantos casos de crianças que alegam lembrar de vidas passadas o senhor já observou?
Temos mais de 2 500 casos registrados em nossos arquivos. Eu, pessoalmente, vi vários.
Quais são as principais características desses casos?
Os casos geralmente envolvem crianças pequenas que dizem se lembrar de uma vida passada. Elas podem descrever a vida de um membro falecido da família ou um amigo da família ou podem descrever a vida de um estranho num outro local. Outros fatos incluem marcas de nascença que combinam com os ferimentos no corpo da pessoa falecida e comportamentos que parecem ligados à vida anterior.
Há uma explicação para o fato de as lembranças ocorrerem principalmente durante a infância?
As crianças começam a fazer seus relatos numa idade precoce, logo que começam a falar. Isso faz sentido, porque parecem ser memórias que elas carregam consigo desde a vida anterior.
Quais tipos de evidências mais impressionaram o senhor?
Ainda acho que a mais forte evidência envolve declarações documentadas que alguma criança tenha feito e que se provaram verdadeiras em relação a uma pessoa que viveu a uma distância significativa. O dr. Jünger Keil (pesquisador da Universidade de Tasmânia, na Austrália) investigou um caso na Turquia no qual um garoto deu muitos detalhes sobre um homem que tinha vivido a 850 quilômetros e morrido 50 anos antes de o menino ter nascido.
Como médico, o senhor considera possível explicar esses relatos de uma perspectiva científica?
Nenhum desses casos é “prova” da reencarnação, e um cético pode sempre encontrar um ponto fraco em um caso ou, como objetivo de desacreditá-lo, em qualquer estudo médico. Entretanto, como um todo, os casos mais significativos constituem um forte argumento de que algumas crianças parecem, sim, possuir memórias de vidas anteriores.
Por: Marcos de Moura e Souza
Fonte: http://super.abril.com.br/cotidiano/reencarnacao-memorias-outras-vidas-445651.shtml

quarta-feira, 6 de agosto de 2014

TRATADO DA EXISTÊNCIA E DOS ATRIBUTOS DE DEUS

Retrato de Francois Fenelon

François Fénelon, pseudônimo de François de Salignac de La Mothe-Fénelon, foi um teólogo, poeta e escritor francês bastante influente na França e cujas ideias liberais muito contribuíram para a emancipação da humanidade.

Nasceu no castelo da família, em Périgord, em 6 de agosto de 1651 e morreu em Cambrai a 7 de janeiro de 1715, aos sessenta e três anos de idade.
            Extraímos um pequeno trecho de um de seus livros e o traduzimos do francês, como singela homenagem a esse nobre Espírito, pela data do seu nascimento. Ei-lo aqui reproduzido:

TRATADO DA EXISTÊNCIA E DOS ATRIBUTOS DE DEUS[1]

Por François Fénelon, escrito em 1712

Provas da existência de Deus, tiradas da consideração das principais maravilhas da natureza.
  
(...) Após essas comparações, sobre as quais peço ao leitor para simplesmente consultar-se a si próprio, mesmo sem raciocinar, creio que é momento de entrar no detalhe da natureza. Não pretendo penetrá-la toda inteira; quem o poderia? Também não pretendo entrar em nenhuma discussão de Física; essas discussões suporiam certos conhecimentos aprofundados que muitas pessoas de espírito jamais adquiriram; quero lhes propor apenas um simples golpe de vista sobre a face da natureza; não quero lhes falar senão do que todo mundo sabe, e que precisa apenas de um pouco de atenção tranquila e séria.
Detenhamo-nos primeiramente no grande objeto que atrai nossos primeiros olhares, isto é, a estrutura geral do Universo. Lancemos um olhar sobre esta terra que nos suporta; observemos no céu essa abóbada imensa que nos cobre; esses abismos de ar e de água que nos rodeiam, e os astros que nos iluminam. Um homem que vive sem reflexão pensa apenas nos espaços que estão junto de si ou que têm alguma relação com suas necessidades; ele considera a terra inteira apenas como o chão do seu quarto, e vê o sol que o ilumina durante o dia da mesma maneira que vê a vela que o ilumina durante a noite; seus pensamentos se limitam ao lugar estreito que ele habita. Ao contrário, o homem habituado a refletir estende seu olhar para mais longe, e considera com curiosidade os abismos quase infinitos que o rodeiam por todos os lados. Um vasto reino lhe parece então um pequeno canto da Terra; a própria Terra não é, a seus olhos, senão um ponto da massa do Universo; admira-se de estar aí localizado sem saber como nela veio parar.
Quem é que suspendeu esse globo da terra que é imóvel? Quem é que nela pôs os fundamentos? Nada, ao que lhe parece, é mais vil que ela; os mais infelizes lhe calcam sob os pés. No entanto, é para possui-la que se investem todos os grandes tesouros. Se a terra fosse mais dura, o homem não poderia abrir-lhe o seio para cultivá-la; se ela fosse menos dura, não poderia suportá-lo; ele afundaria em toda parte, como afunda na areia ou no lamaçal. É do seio inesgotável da terra que sai tudo o que há de mais precioso. Essa massa informe, vil e grosseira, toma as formas mais diversas e se transforma, passo a passo, em todos os bens que lhe solicitamos; essa lama tão feia transforma-se em mil objetos belos que encantam os olhos; em apenas um ano ela se torna galhos, botões, folhas, flores, frutos e sementes, para renovar suas liberalidades em favor dos homens. Nada a esgota. Quanto mais dilaceramos suas entranhas, mas liberal ela é. Após tantos séculos, durante os quais tudo tem dela saído, ainda não está gasta; não se torna velha; suas entranhas ainda estão plenas dos mesmos tesouros.
Mil gerações passaram por seu seio: tudo envelhece, exceto ela, que rejuvenesce a cada ano, na primavera. Ela jamais falta aos homens; mas, insensatos, os homens faltam a si mesmos negligenciando o seu cultivo (...).
Admirai as plantas que nascem da terra; elas fornecem alimentos aos sãos e remédios aos doentes. Suas espécies e suas virtudes são inumeráveis: elas enfeitam a terra; dão verdor, flores odoríferas e frutos deliciosos. Vedes essas vastas florestas que parecem tão antigas quanto o mundo? As árvores se afundam na terra por meio de suas raízes, como se elevam para o céu por meio de seus galhos; suas raízes as sustentam contra os ventos, e vão buscar, como por pequenos tubos subterrâneos, todos os sucos destinados à nutrição de seu caule; o próprio caule se reveste de uma casca dura, que coloca a madeira tenra ao abrigo das injúrias do ar; seus galhos distribuem, por diversos canais a seiva que as raízes reuniram no tronco. No verão esses ramos nos protegem contra os raios do sol, com sua sombra; no inverno eles nutrem a chama que conserva em nós o calor natural. Sua madeira não é útil somente para o fogo; é uma matéria dócil, ainda que sólida e durável, à qual, sem dificuldade, a mão do homem dá todas as formas que desejar, para as grandes obras de arquitetura e de navegação. Além disso, pendendo seus ramos para a terra, as árvores frutíferas parecem oferecer seus frutos ao homem.
As árvores e as plantas, deixando cair seus frutos ou seus grãos, preparam em torno delas mesmas uma numerosa prosperidade. A mais frágil planta, o menor legume, contêm em pequeno volume, num grão, o germe de tudo o que se desdobra nas mais altas plantas e nas maiores árvores. A terra, que jamais muda, faz todas essas mudanças em seu seio.
Observemos agora o que chamamos de água: é um corpo líquido, claro e transparente. Por um lado, ela corre, escapa, foge; por outro, toma todas as formas do corpo que a contêm, não tendo nenhuma para si mesma. Se a água fosse um pouco mais rarefeita, se tornaria uma espécie de ar; toda a face da terra seria seca e estéril; haveria apenas animais voadores; nenhuma espécie de animal poderia nadar, nenhum peixe poderia viver; não haveria nenhum comércio pela navegação. Que mão habilidosa soube condensar a água, sutilizar o ar, e distinguir tão bem essas duas espécies de corpos fluidos?
Se a água fosse um pouco mais rarefeita, não poderia sustentar esses prodigiosos edifícios que denominamos navio; os corpos menos pesados afundariam primeiro na água. Quem é que tomou o cuidado de escolher uma tão justa configuração de partes, e um grau tão preciso de movimento, para tornar a água tão fluida, tão insinuante, tão própria a escapar, tão incapaz de toda consistência, e no entanto tão forte para levar, e tão impetuosa para arrastar as mais pesadas massas? Ela é dócil; o homem a conduz, como um cavaleiro conduz um cavalo pelas pontas das rédeas; ele a distribui como lhe convém; eleva-a sobre as montanhas escarpadas, e se serve de seu próprio peso para fazê-la cair, e subir tanto quanto desceu. Mas o homem, que conduz as águas com tanto império é, a seu turno, conduzido por elas. A água é uma das maiores forças motrizes que o homem sabe empregar para suprir ao que lhe falta nas artes mais necessárias, por causa da sua pequenez e pela fragilidade de seu corpo.
Todavia, essas águas que, não obstante sua fluidez, são massas tão pesadas, não deixam de se elevar acima de nossas cabeças e ficar lá por longo tempo suspensas.  Vede essas nuvens que voam como sobre as asas dos ventos? Se caíssem de repente em grossas colunas d’água, rápidas como torrentes, submergiriam e destruiriam tudo o que estivesse em seu caminho, e o restante das terras ficariam áridas. Que mão as têm nesses reservatórios suspensos, e não lhes permite cair senão gota a gota, como se fossem destiladas por um regador? Donde vem que em certos países quentes, onde quase nunca chove, o orvalho é tão abundante que supre a falta de chuva, e em outros países, tais como nas margens do Nilo e do Ganges, a inundação regular dos rios em certas estações diminui a necessidade dos povos de irrigar a terra? Pode-se imaginar medidas melhor tomadas para tornar todas as regiões férteis?
Assim, a água dessedenta não somente os homens, mas também os campos áridos; e aquele que nos deu esse corpo fluido o distribuiu com cuidado sobre a terra como os canais de um jardim. (...)



[1]-  Texto extraído das Œuvres Choisies de Fénelon. Traité de l’Existence et des Attributs de Dieu, Première partie, ch. I. Traduzido do francês pela Equipe do IPEAK.